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O QUE É UMA MENTE SAUDÁVEL?

Ilustração de um cérebro rodeado de flores grandes coloridas.

BIOLOGIA, EXPERIÊNCIAS DE VIDA &
SAÚDE MENTAL

Nossa saúde mental depende de fatores biológicos (herança genética) e ambientais (nível socioeconômico, vínculos familiares, rede de apoio e outras interações sociais). Com o avanço da neurociência, não é exagero afirmar que o fator ambiental – experiências que vivenciamos desde o nascimento (e até durante a gravidez) – pode ser tão ou mais determinante para o desenvolvimento de uma boa saúde mental do que a genética. O termo “psiquismo”, ou “vida psíquica”, é o nome dado aos processos mentais, emocionais, cognitivos e inconscientes que ocorrem em nossa mente. Nossa saúde mental vai bem quando todas essas dimensões psíquicas (Figura 1) fluem sem grandes dificuldades em nenhum campo. Ter uma boa saúde mental significa ter um bom relacionamento com nós mesmos e com os outros, ser capaz de atender às demandas do dia a dia e aproveitar as oportunidades da vida. Claro que todos temos aspectos mais desenvolvidos e outros menos: estar vivo é um processo contínuo de autodescoberta e amadurecimento.

Desenvolvimento

E COMO ELA SE FORMA?

Tudo começa durante a gravidez e é influenciado não só pela herança genética familiar e pela saúde física da mãe, mas também por seu estado emocional e níveis de stress durante a gestação. A primeira infância, que corresponde aos três primeiros anos de vida, é decisiva para o desenvolvimento de uma mente saudável, pois é quando estão sendo construídas as bases da “arquitetura” cerebral.  Tudo o que vem depois -- capacidade de aprendizagem, comportamento, habilidades sociais e saúde física e mental – depende desta  fundação.  A ciência já demonstrou que as primeiras interações da criança moldam o cérebro humano. Para que se formem conexões neurais robustas, que serão a base para todas as habilidades complexas ao longo da vida, estas três condições são essenciais: segurança, consistência e interações responsivas

Diagrama ilustrado das dimensões psíquicas: Percepção, Emoção, Pensamento, Motivação, Memória, Regulação Emocional & Controle de Impulsos, Relacionamentos, Tomada de Decisões, Autoimagem & Identidade e Processamento Inconsciente.

A PRIMEIRA INFÂNCIA É DECISIVA PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA MENTE SAUDÁVEL, POIS É QUANDO A FUNDAÇÃO DA "ARQUITETURA" CEREBRAL ESTÁ SENDO CONSTRUÍDA. TUDO O QUE VIRÁ DEPOIS DEPENDE DESTA FUNDAÇÃO. 

Trauma

UMA FASE CRÍTICA & DETERMINANTE

Ilustração de uma criança pequena vestida com roupas de antigamente aprendendo a andar.

O QUE ACONTECE NA AUSÊNCIA DESTAS CONDIÇÕES? 

Estudiosos do desenvolvimento infantil argumentam que sem segurança, consistência e relacionamentos responsivos na primeira infância, o desenvolvimento do cérebro pode ser comprometido. Segundo pesquisa realizada pelo Centre on the Developing Child, da Universidade de Harvard, as consequências desta perda vão além das dificuldades individuais de aprendizagem, comportamento e saúde física e mental -- também estão na origem de problemas sociais complexos, como violência urbana e doméstica, baixos níveis de escolaridade, incapacidade para o trabalho e criminalidade. Portanto, é fundamental que pais, cuidadores, educadores e todos aqueles que lidam diretamente com crianças compreendam o quão crítica é esta fase da vida para um desenvolvimento saudável, em todos os sentidos, com implicações não só para a criança, mas para toda a sociedade

O QUE É TRAUMA DO DESENVOLVIMENTO?

As crianças pequenas têm um sistema nervoso altamente “poroso” às interações com os adultos e dependem deles para formar novos circuitos e fortalecer as redes neurais que serão a base da sua arquitetura cerebral. Porém, altos níveis de stress nesta fase da vida podem prejudicar, ou até mesmo reverter esse processo. Em vez de proliferarem, como seria de esperar, ocorre uma diminuição das conexões neurais e danos aos neurónios do córtex pré-frontal e do hipocampo, formando uma base menos "robusta" para o desenvolvimento emocional, social, cognitivo e da linguagem.  Se uma criança recebe um cuidado inseguro, sofre negligência crônica, pobreza extrema, abuso físico ou psicológico, se a mãe está seriamente deprimida ou há violência na família, os níveis de stress são tão elevados que se tornam tóxicos. Como resultado, o seu sistema nervoso passa por mudanças fisiológicas que se refletirão em todos os aspectos da sua vida. O trauma do desenvolvimento pode ser entendido como uma espécie de “cicatriz” no sistema nervoso causada pelo estresse tóxico na primeira infância, o que impacta o comportamento, a aprendizagem, a saúde e as oportunidades futuras da criança.

Ilustração de um termômetro mostrando os níveis de stress na interação da criança com o ambiente: nível Positivo, Tolerável e Tóxico.

A CIÊNCIA JÁ DEMONSTROU QUE O CÉREBRO HUMANO É MOLDADO PELAS INTERAÇÕES PRECOCES, E QUE PRECISA DE SEGURANÇA, CONSISTÊNCIA E INTERAÇÕES RESPONSIVAS PARA UM DESENVOLVIMENTO SAUDÁVEL. 

QUAIS SÃO OS SINAIS QUE A NOSSA SAÚDE MENTAL NÃO ESTÁ BOA?

Todos estamos sujeitos a perder momentaneamente o controle emocional e a ter reações que podem parecer exageradas, como chorar muito por algo aparentemente pequeno, reagir de forma agressiva sem ter sido atacado ou ficar paralisado em situações de conflito. Ou, ainda, podemos ruminar constantemente o passado, ter dificuldade em tomar decisões, ter uma autoimagem distorcida ou sentir-nos profundamente frustrados nos nossos relacionamentos. Estas são experiências humanas totalmente naturais – se forem pontuais. Mas quando esses estados se tornam o padrão, é sinal de que algo não vai bem. A deterioração da nossa saúde mental manifesta-se frequentemente através de problemas crônicos de saúde e bem-estar. Alguns exemplos comuns são insônia (dificuldade para adormecer ou manter o sono), excesso ou falta de apetite, bruxismo, dores crônicas sem causa orgânica aparente, problemas digestivos, esgotamento, consumo excessivo de álcool, compulsões (compras, comida, jogos, exercícios físicos, internet, sexo), pesadelos intensos, entre outros. Os padrões de pensamento, sentimento e comportamento também são afetados pelo  

Quadro ilustrativo dos sinais de deterioração da saúde mental mostrando ícones que representam pessoas com dores e doenças crônicas, distúrbios do sono, falta de autorregulação, pesadelos intensos, alterações do apetite, compulsões e adições, indecisão paralisante, ruminação, e autoimagem distorcida.

adoecimento da mente, e com isso as nossas atividades cotidianas e relacionamentos se tornam muito difíceis ou até mesmo impossíveis. Irritabilidade, agressividade, mau humor, falta de atenção, de paciência e dificuldade de concentração, quando se tornam constantes, sinalizam um sistema nervoso desregulado. E quando a nossa saúde mental não está boa, todas as áreas da nossa vida podem ser prejudicadas, mesmo quando tudo parece estar bem.

Deterioração
EAI

EXPERIÊNCIAS ADVERSAS NA INFÂNCIA

Ilustração de um menino pequeno chorando, esfregando o olho direito com a mão, descalço e com as roupas sujas

OS EFEITOS DE ABUSO & NEGLIGÊNCIA: TRAUMAS RELACIONAIS

Além do trauma do desenvolvimento que ocorre sobretudo na primeira infância, os relacionamentos que temos ao longo da vida também afetam diretamente nossa saúde mental -- são os chamados traumas relacionais.  Experiências Adversas na Infância e adolescência (EAI), tais como abuso e negligência por parte dos pais, membros da família ou da comunidade (vizinhos, professores, treinadores e líderes religiosos) têm impactos duradouros na vida adulta. De acordo com o último relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2023), maus-tratos na infância são um dos maiores problemas de saúde pública do nosso tempo, estando relacionados ao desenvolvimento de doenças crônicas potencialmente fatais como as cardiovasculares, câncer, doenças autoimunes, entre outras. O dado mais alarmante do relatório é a constatação de que grande parte das crianças ao redor do mundo sofre abuso e negligência, contrariando a crença de que a família é um lugar de segurança, amor e acolhimento -- como deveria ser.

O QUE SÃO EAI?

As Experiências Adversas na Infância são fontes de stress que as crianças podem sofrer enquanto crescem, incluindo abuso físico, sexual e psicológico, negligência, exposição à violência e outros fatores de stress doméstico graves. A prevalência de EAI é afetada por dados socio-demográficos como género, etnia, raça e nível socioeconómico. Crianças vítimas de um tipo de experiência adversa têm um risco maior de sofrer outros tipos, o que ressalta a necessidade de enfrentar as EAI coletivamente, em vez de focar apenas nas adversidades individuais.

OS PREJUÍZOS DO STRESS TRAUMÁTICO NA INFÂNCIA SÃO IMENSOS E TÊM IMPACTOS NEUROLÓGICOS, HORMONAIS E IMUNOLÓGICOS. 

ESTAS DIFICULDADES NA INFÂNCIA ESTÃO LIGADAS A ATRASOS NO DESENVOLVIMENTO, SAÚDE MENTAL RUIM E COMPORTAMENTOS DESTRUTIVOS. 

Diagrama ilustrado com exemplos de situações abusivas e outras formas de stress vividas na infância.

TODOS PERDEMOS AO NÃO FALAR DISSO

Ilustração do rosto de uma mulher com os olhos vendados.

EMBORA ABUSO E NEGLIGÊNCIA TAMBÉM OCORRAM EM CLASSES PRIVILEGIADAS, OS GRUPOS MARGINALIZADOS SÃO OS QUE MAIS SOFREM COM SUAS CONSEQUÊNCIAS.

AS PERDAS DA DESINFORMAÇÃO SÃO INDIVIDUAIS E COLETIVAS

O estigma que acompanha o diagnóstico de transtornos mentais agrava a desinformação. A ideia equivocada de que depressão, ansiedade e outras doenças "estão apenas na sua cabeça" ainda impede que muitas pessoas peçam ajuda. Elas ficam sozinhas com essa dor, sem entender o que ela significa e sem recursos para superá-la. Da mesma forma, quem convive com elas não consegue compreendê-las nem oferecer apoio, o que gera ressentimento de todas as partes. As consequências desta desinformação são grandes danos para todos: aqueles que sofrem procuram alívio de formas que apenas os mantêm estagnados e até pioram a situação (álcool, drogas, comida, compras, pornografia, etc.), e aqueles que lhes são mais próximos perdem a oportunidade de ter um relacionamento verdadeiramente íntimo, de apoio mútuo.

Embora abuso e negligência também ocorram em classes privilegiadas, os grupos marginalizados (níveis socioeconômicos mais baixos, negros e LGBTQIA+) são os que mais sofrem com suas consequências. Sabe-se que milhões de crianças e adolescentes ao redor do mundo são vítimas de maus-tratos, e lamentavelmente a situação se perpetua. A falta de denúncia por parte de pais e responsáveis, o estigma social e a dificuldade dos profissionais de saúde & educação para identificar o problema são uma sentença de abandono para as vítimas. O pior de tudo é saber que essas consequências podem ser totalmente prevenidas -- basta haver conscientização. Mais do que nunca, o mundo precisa de uma ampla e profunda Psicoeducação

PERDAS ECONÔMICAS

As consequências das EAIs impactam os sistemas de Educação, Justiça, Saúde Pública & Serviço Social.  Na Europa, estima-se que o impacto econômico seja da ordem de U$ 581 bilhões ao ano, enquanto nos EUA a estimativa é de U$ 748 bilhões.

Ilustração mostrando os custos econômicos das consequências das experiências adversas na infância:  ícones representando crianças na Europa (4 em 10) que sofrem ao menos uma forma de EAI, enquanto nos EUA são 6 em cada 10.
Psicoeducação

O QUE É PSICOEDUCAÇÃO?

Ilustração de um olho aberto.

Psicoeducação é educar sobre saúde mental: o que é, quais os sinais de que não está boa, como tratar, como ajudar quem está com dificuldades, quais são os fatores que impactam a nossa saúde mental e como preveni-los. Seu objetivo é fornecer ferramentas para reconhecer em si e nos outros a necessidade de cuidado, promover o respeito às diferentes condições mentais e a auto-aceitação. A psicoeducação explora as origens do sofrimento e aborda o papel determinante dos relacionamentos na nossa saúde global, desde o nascimento até à velhice. Ao fazê-lo, permite prevenir a traumatização daqueles que dependem de nós e ajuda a lidar com os danos de longo prazo das experiências traumáticas. 

"Psicoeducar-se" significa reconhecer em si mesmo e nos outros os sinais de que algo não vai bem, para então pedir ajuda ou ter condições de ajudar. Sem vergonha, medo ou julgamentos. Significa dar sentido ao que sentimos, explorar as possíveis causas e conhecer as opções de tratamento

SE EU SOUBESSE DISSO ANTES, TERIA VIVIDO BEM MELHOR.
TERIA FEITO TUDO DIFERENTE.
TERIA SIDO MAIS FELIZ.

Quantas vezes você já ouviu essas palavras? Ou você mesmo lamentou não ter aprendido mais cedo algo que teria feito toda a diferença na sua vida? Este é o papel da Psicoeducação: ensinar a viver melhor consigo mesmo e com os outros. Mais do que nunca, compreender os fatores que impactam o nosso bem-estar é crucial, não apenas para poder nos proteger, mas para ser capazes de fazer escolhas conscientes, que preservam a nossa integridade física e mental -- e a integridade daqueles que nos cercam.

Este é o objetivo número 1 da Psicoeducação: informar sobre o que afeta diretamente a nossa saúde mental, muitas vezes sem nos darmos conta, para lidarmos melhor com nossas lutas e dificuldades.

A IMPORTÂNCIA DA  PSICOEDUCAÇÃO

A falta de clareza sobre o que afinal nos atormenta se reflete na criação de hábitos "auto-tranquilizantes", que podem até gerar alívio momentâneo -- como o consumo de álcool e substâncias, comida, sexo, jogos, compras etc. --, mas que são frequentemente destrutivos e apenas perpetuam a angústia que os motiva. Por isso é tão importante compreender como os sinais de uma mente adoecida se manifestam em nossas vidas. Para isso, precisamos adotar uma postura acolhedora e compassiva, com nós mesmos e com os outros, e preservar a esperança de que as coisas sempre podem melhorar -- mesmo que às vezes isso pareça impossível. 

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